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O código de honra dos jogadores de poker por Nolan Dalla - uma história de Phil Ivey e Chip Reese

Nolan Dalla é desde 2002 o Media Director do maior evento do poker mundial, as World Series of Poker e tem um blog em que vai contando histórias do mundo do poker. Um dos mais recentes posts demonstra o código de honra existente entre os jogadores profissionais de poker, num exemplo que envolve Phil Ivey e o falecido Chip Reese.

Uma história de Phil Ivey

A primeira coisa que ouvi foi o motor.

Era o Mercedes SLR McLaren cinza do Phil Ivey, e a máquina estava a vir na minha direcção.

Se algum dia for ao soalho por causa de um carro, espero que seja por um carro de luxo de $285,000. Que bela maneira de ir. Muito mais glamouroso ser atropelado por um Ivey que está atrasado para a sua partida de golfe, que ser abalroado por um qualquer bêbado de Dodge Neon.

Consegui sobreviver àquele momento no estacionamento do TPC de Las Vegas. A pergunta agora era, conseguiria sobreviver a jogar 18 buracos com o Ivey?

Vamos começar pelo problema óbvio. Sou um jogador terrível.

Espera.

Pior que terrível. Qual será um adjectivo mais forte?

Sou uma verdadeira merda. Noutras palavras, o meu golfe não presta.

O Phil Ivey e o Greg Raymer não fazem ideia do que os esperava.
Vão testemunhar o meu jogo e partilhar o meu embaraço de atirar umas bolas ao sabor do vento no que me disseram ser um campo de 6 milhas, 18 buracos. E temos de fazer tudo a pé. Aqui não são permitidos carrinhos.

Agora é o momento para perceberes o que o golfe realmente é. Todos os que pensam que o golfe é sobre perseguir uma pequena bola branca e tentar acertar num pequeno buraco, não faz a mais pequena ideia. O golfe é sobre duas coisas - estatuto e poder.

Infelizmente, não consegues fingir nenhuma das duas. O que basicamente me deixa desde logo fodido.

É por isso que negócios de milhões de dólares são muitas vezes feitos em campos de golfe. O golfe é uma desculpa aceitável para homens crescidos passaram horas juntos, sem ligar à mulher, filhos e outras distracções. É como estar dentro de uma sala de conferências privada, só que não tem qualquer interrupção, a não ser, é claro, que chova. E tem as óbvias vantagens de sol e ar fresco.

Contudo não temos qualquer negócio para falar hoje. É apenas uma partida a 3, Ivey, Raymer e Dalla. Entre nós 3 temos 9 braceletes WSOP e mais de $20 milhões ganhos em torneios de poker. É claro que eu tenho mais de 800 mesas finais WSOP no meu currículo, deixando bem atrás o Ivey e o Raymer.

Antes de chegarmos ao primeiro tee, começam os problemas.

Uma vez que vamos andar todo o percurso (andar!), o Ivey não se pode perturbar carregando um saco de tacos de 20 quilos. Por isso ele convocou o seu caddy privado para o assistir. Entretanto, o Raymer e eu estamos parados com o calor do deserto a carregar sobre nós como dois prisioneiros na Marcha da Morte de Bataan. Ao menos tenho uma desculpa legítima para me ter "esquecido" de avisar o meu caddy privado da data e hora. Eu não tenho caddy! Mas o Raymer não tem desculpa. Ele tem dinheiro e de certeza que lhe dava jeito um assistente, mas é demasiado agarrado para dar $100 por um homem do saco. Por isso tem de carregar os seus tacos durante todo o percurso como eu.

Bom, é óbvio que nem tudo corre como planeado - o caddy do Ivey está atrasado.

Somos as três pessoas mais importantes de Las Vegas e o caddy não consegue chegar a horas. O Ivey não começa sem o seu "homem", diz ele, por isso estamos especados à espera ao sol a derreter como dois piratas cheios de sede.

Finalmente aparece o "homem" do Ivey. O imbecil atrasou-nos uns 20 minutos. Ainda não dei a primeira pancada e o meu ombro esquerdo já dói de carregar um saco de tacos com 15 anos que comprei numa venda de garagem.

"Este é o Steven*" disse o Ivey - não se apercebendo do protocolo normal do aperto de mão.

"Olá Steven."

Por esta altura o Ivey faz questão de esclarecer que o Steven só carregaria o seu saco. Nós temos de carregar o nosso próprio material de jardinagem. Além disso, o Ivey diz que o Steven não deve dar conselhos a nenhum de nós. Se bem que tanto o Raymer como eu não temos a capacidade e conhecimento para tirar partido dos seus conselhos sobre determinado green deslizar para o lago. O Ivey está apetrechado com todas as informações, e o Raymer e eu vamos tentar chegar ao primeiro tee.

Passemos à frente algumas horas e eu pontuei uns bons 86, o que na verdade parece uma pontuação decente, pelo menos até saberes que ainda tenho de jogar os segundos 9 buracos.

Cerca de meia hora depois no clube, vi que estava sozinho com o caddy do Ivey e decidi saber um pouco mais do "homem".

"Então fazes de caddy do Ivey com muito frequência," perguntei eu?

"Sim."

"Okay. Então, também jogas golf?"

"Às vezes."

Começo a pensar que estou a falar com o Harpo Marx (n.d.r. dos Irmãos Marx, comédia)

"E vives aqui perto?"

"Sim."

"Aonde?" (Foda-se - por esta altura quero que se lixe a cautela. Quero saber onde mora este fedelho, e quanto é que o Ivey lhe paga para carregar os seus sacos numa ronda de golfe…que provavelmente é mais que eu faço num dia bom - que raios, numa semana boa.)

"Moro naquela casa amarela grande mesmo ao lado do buraco oito."

Por esta altura o Ivey bateu uma bola perfeita para o green e entrou na nossa conversa.

"Wow - então moras aqui no campo. Deve ser fixe."

"Sim. É fixe."

Por esta altura estava à pesca de mais informações. Como é que o Ivey tem um miúdo rico de 14 anos como caddy privado? Quero dizer, não se colocam anúncios na Craig's List à espera que apareça um talento assim.

"Então que faz o teu pai," pergunto eu - esperando que a resposta tenha a ver com algum executivo de casino que o Ivey tenha conhecido, e que seria uma bela oportunidade para um puto ser caddy de uma celebridade como o Phil Ivey.

"Ele é senador."

Wow, um senador, pensei eu. Isso é impressionante. Imaginei que o puto fosse filho de um senador estatal. Não propriamente dos grandes nomes, mas nada mal na lista de poder.

"Queres dizer como um senador estatal, em Reno?" perguntei.

Por esta altura o Ivey parece irritado. Tenho mais uma ou duas perguntas antes de a conversa acabar abruptamente e não posso perder esta oportunidade.

"Não. O meu pai é Senador dos Estados Unidos."

Cum caraças! Só há uns 100 em todo o país, e estão entre as pessoas mais poderosas e conhecidas da nossa governação. E aqui estava o filho de um Senador dos Estados Unidos a carregar os tacos de golfe do Ivey.

"Sei que os filhos do Senador Harry Reid já são crescidos, e não és nada parecido com o Rory Reid. Assim só resta uma possibilidade. O teu último nome é Ensign?"

"Sim, sou esse mesmo."

Devo dizer que é impressionante. Ter o filho do Senador dos Estados Unidos John Ensign a fazer todo o trabalho do Ivey.

"Wow, Phil - isso é que é sucesso. Ter o filho de um Senador dos EUA como caddy."

O Ivey nem pestanejou.

"Não Nolan - isso não é sucesso. Ter O SENADOR como teu caddy. Isso é que é sucesso."

Desde aquela partida, o Senador John Ensign deixou o seu cargo no Senado. Na verdade, não tem aparecido muito em público.

Alguém sabe se tem feito de caddy do Phil Ivey?

A nossa partida termina com o que penso ser uma história espantosa, que mostra o extraordinário código de honra existente entre alguns jogadores. Eu estava claramente abaixo do patamar do Ivey para apostar. Ainda assim apostamos uns dólares, e o Ivey levou a aposta muito a sério, como se estivesse a jogar a ronda final do Masters. Até o Greg Fossilman Raymer, consideravelmente mais cómodo que eu na questão monetária, não chegava ao patamar de Ivey.

Por isso e com vontade de apostar, que é que Ivey fez?

Enquanto nos aproximavamos do 15ª buraco, o Ivey foi ao bolso e tirou o telemóvel. Marcou um número e conseguimos ouvir metade da conversa que se seguiu:

Ivey: "Hey Chip - estou a jogar a segunda metade no Spanish Trails. Tenho um par 5 a seguir. Penso que tem pouco menos de 500 jardas. Sinto-me bem. Acho que posso bater o par. Queres apostar?"

Obviamente é o Chip Reese que está do outro lado da conversa. Não faço ideia do que ele diz.

Ivey: "Okay, por quanto?"

-silêncio-

Ivey: "Dez mil. Parece-me bem. Ligo-te daqui a 10 minutos."

O Ivey abre com uma pancada perfeita entre dois pinheiros para o meio do fairway. O Chip Reese está fodido. Dez minutos depois, o Ivey está no green e acaba o buraco em menos de 5 pancadas. Sem esforço. Pega de novo no telemóvel.

Ivey: "Deves-me dez mil."

-silêncio-

Ivey: "Queres tentar de novo no próximo buraco? Penso que é um par 4."

-silêncio-

Ivey: "Okay, acrescentamos dez mil ao saldo. Falo contigo mais logo."

E foi isso.

O mais espantoso foi que o Chip Reese nunca pediu a Ivey provas de que ele tinha batido o par. Não houve qualquer pedido de prova. O Ivey deu a sua palavra, e chegou. Dez mil dólares no banco.

Tristemente, o grande Chip Reese morreu poucos meses depois desta aposta. Suponho que terá sido uma de muitas grandes apostas feitas pelos dois, e provavelmente nem terá sido assim tão grande.

Mas a história ilustra um código extraordinário entre os jogadores que seria impensável acontecer em qualquer outro grupo de pessoas, mesmo entre amigos chegados. A vitória do Ivey e a dívida de dez mil dólares foi aceite tendo por base apenas a palavra do Ivey.

Quando tento explicar como é na verdade o mundo dos high-rollers e jogadores de poker, penso que esta pequena história ilustra o melhor sobre alguns daqueles que adoramos.

E muito adequadamente.

*o nome do caddy foi alterado, porque é um menor.

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