Rússia: Poker é jogo de skill ou sorte?

No meio das imensas questões que o governo russo se debatido nos meses recentes - de guerra e paz, cortes orçamentais e sanções - está esta: é o poker um jogo de skill ou sorte?

 

A resposta é longe de ser trivial. É um passo importante na determinação de se a Rússia pode legalizar o poker online e assim recolher impostos do imenso mercado já existente. É um debate que está relacionado de perto com o destino da orgulhosa tradição no Xadrez.

 

Durante a era soviética, mesas de xadrez podiam ser encontradas por toda a Rússia ou país do leste europeu, com dezenas de jogadores perdidos na concentração. Barato e igualitário, o xadrez tornou-se o maior "desporto" da mente, produzindo mais campeões do que qualquer outra nação no planeta. Celebridades em casa, os xadrezistas russos percorreram o mundo.

 

E ainda assim, apenas 25 anos depois, o xadrez foi empurrado quase para as margens da sociedade ex-soviética, pelo mercenário poker.

 

Para muitos xadrezistas, o jogo do folclore e gangsters americano pode mudar uma vida. A sua compostura e inteligência, a capacidade de avaliação rápida uma situação e calcular opções, para absorver teoria e concentração durante horas seguidas, fazem deles fantásticos jogadores de poker também. A grande diferença é que quando jogam cartas, podem ganhar substanciais quantidades de dinheiro.

 

Apesar de ser ilegal, o poker online na Rússia espalhou-se com velocidade. Um estudo em 2013 concluiu que 16% dos russos, cerca de 20 milhões de pessoas, jogavam poker, mais 5% do que dois anos antes. A proporção é provavelmente mais elevada hoje em dia, três anos depois. A PokerStars - o maior operador do mundo - reporta que o mercado russo é cerca de 8.4% do total de jogadores, apenas atrás dos EUA. Dmitry Andreikin, nascido na Ucrânia soviética de 1990, actual 5º do ranking da World Chess Federation para a Rússia, é um dos convertidos. Tal como Almira Skripchenko, nascida na Moldávia soviética de 1976. Ela conta já com participações nas World Series Of Poker, entre outros torneios.

 

Tanta actividade económica nos sites estrangeiros representa uma perda para a Rússia em termos de retorno fiscal. A oportunidade de angariação de fundos cai bem numa Rússia que está em crise financeira, causada por um misto de factores, entre os quais a queda dos preços do petróleo e as sanções internacionais devido a intervenções militares. O governo considera agora se deve construir um sistema regulado e legal para o jogo online para reequilibrar a balança fiscal.

 

Igor Shuvalov, membro do gabinete do Primeiro Ministro, tem sido um dos maiores promotores desta viragem. Em 2014, Shuvalov impulsionou os ministérios da Economia e Desenvolvimento e da Justiça para produzirem um relatório sobre a legalização do poker online, sua taxação e regulamentação. Uma decisão parece estar próxima. Para acalentar os corações xadrezistas, o governo planeia usar alguns dos impostos cobrados para ajudar a Federação Nacional de Xadrez, para que possa renovar a paixão pelo jogo outra vez.

 

Outro objectivo do projecto é o garante de que os ganhos de poker fiquem na Rússia. Marina Bludyan, presidente da associação pública Poker Enthusiast League, foi ouvida a afirmar  que os operadores internacionais terão que ter servidores no país e que estarão proibidos de transferir a data recolhida para o estrangeiro. Desta forma, pretende-se manter o controlo do regulador russo sobre os operadores, ao mesmo tempo que todos os operadores não registados serão considerados ilegais.

 

Toda esta actividade suscitou um vivo debate público sobre a moralidade do poker, muito focado na questão de se o jogo pode ser categorizado de jogo de skill - como o xadrez - ou de sorte. Sendo de skill, a sua legalização será um processo relativamente simples. Sendo uma forma de jogo de sorte-ou-azar, tal torna-se muito mais complicado. O governo parece inclinado para skill.

 

Kirsan Ilyumzhinov, o multi-milionário empresário russo, antigo presidente da República Russa da Kalmykia, e responsável pela World Chess Federation, diz que o poker "deve ser legalizado; há demasiadas pessoas envolvidas e a jogar online. Não há qualquer razão para estar escondido e ilegal.", chegando mesmo a propor que o poker seja incluído na International Mind Sports Association - que representa o xadrez, bridge, damas, go - de que também é presidente.

 

Seja qual for a categoria do poker, legalizar o jogo faz sentido para a Rússia. Serviria para reforçar os cofres numa altura de necessidade e, seguindo modelo francês, no qual os poderes regulatórios estão nas mãos do Ministério das Finanças, em vez duma agência ou federação desportiva, o governo poderia mais facilmente manter os lucros fora das mãos dos oligarcas.

 

Seja como for, é claro que o eventual objectivo da criminalização - desencorajar o espalhar do jogo na Rússia - não foi conseguido. Apesar de ser largamente considerado menos prestigiante do que o xadrez, os ganhos no poker online asseguram a sua popularidade. Tornar o poker online legal nada fez para prevenir que os russos joguem em sites pertencentes a companhias estrangeiras, ou em sites russos registados no estrangeiro. O único impacto da legalização será trazer toda este negócio para dentro.

 

E quem sabe se o poker não se transforma no equivalente no séc XXI ao xadrez para os soviéticos - jogado por toda a nação e produzindo um ror de campeões, que são estrelas dentro e embaixadores da intelectualidade russa fora de portas.

 

Gregory Mathieu
 

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