'Economia de mercado sem concorrência é como feijoada sem feijão' - Ulisses Pereira e o monopólio do jogo
Ulisses Pereira volta a falar sobre o sector do jogo, na sua coluna no Jornal de Negócios. Desta vez o analista da Dif Broker, escreveu sobre o actual panorama do mercado nacional, onde se assiste a um monopólio.
O monopólio do jogo
O Governo teve a coragem de legislar sobre as apostas, mas o "timing" foi péssimo para todos, excepto para a Santa Casa.
Durante os últimos anos escrevi alguns artigos, neste mesmo espaço de opinião, defendendo a legalização das apostas e do póquer online no nosso país. Eram milhões de euros que estavam a passar ao lado do Estado que fechava os olhos a uma actividade que, na esmagadora maioria dos países europeus, já estava regulamentada, para defesa dos apostadores/jogadores e para o bem dos cofres do Estado. Este Governo teve a coragem de legislar sobre a matéria, mas o "timing" de implementação da medida foi péssimo para todos, excepto para a Santa Casa da Misericórdia.
Com a entrada em vigor da nova legislação, todas as casas de póquer e apostas online foram obrigadas a encerrar a sua actividade em Portugal. As que quisessem continuar a operar no nosso mercado teriam de se candidatar a licenças emitidas pelo Governo português. O problema é que todo este processo foi enviado para a aprovação da União Europeia que se terá de pronunciar sobre esta matéria e, só após isso, o processo de candidaturas e do licenciamento pode avançar.
Ou seja, durante mais de seis meses, os apostadores e jogadores portugueses estariam impedidos de jogar. Mas, na prática, tal não está a acontecer. A Santa Casa lançou o Placard, um sistema de apostas desportistas que chega a todas as pessoas nos espaços físicos que a instituição já utiliza para quem quer apostar nos seus outros jogos, como cafés ou quiosques. Na nova legislação, a Santa Casa ficou com o exclusivo das apostas realizadas fora da internet, um nicho até agora não explorado por ninguém. Mas o "timing" do arranque deste novo jogo é perfeito porque durante todos estes meses não tem qualquer concorrência.
Queixam-se os apostadores que os prémios pagos pelo Placard são inferiores ao que estavam habituados nas casas online. É natural, acrescento eu. Quando vamos comer a uma área de serviço nas auto-estradas, sabemos que vamos pagar quase o dobro do que pagaríamos no café da nossa rua. É o preço da exclusividade e monopólio.
A Santa Casa anunciou que, nas primeiras três semanas de funcionamento, as receitas já ultrapassavam os 5,5 milhões de euros. Não me surpreende. E acredito que continuará a ter sucesso mesmo quando a concorrência online regressar, pois chega a um público que nunca tinha apostado, que tem algum receio dos depósitos online e que vê agora poder escolher os próprios jogos em que quer apostar, com uma multiplicidade de opções muito maior do que o jurássico Totobola.
Se, a seu tempo, aplaudi a coragem do Governo em - finalmente - legalizar as apostas e o póquer online, não posso deixar agora de criticar que este moroso processo esteja a obrigar os apostadores portugueses a estarem mais de meio ano sem apostar ou, se o quiserem fazer, estejam a alimentar a única entidade que pode operar e que está a praticar preços proibitivos.
A concorrência é muito bonita mas, muitas vezes, só nos lembramos disso quando ela não existe. Economia de mercado sem concorrência é como feijoada sem feijão.
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