Daniel Negreanu fala sobre o poker, o jogo e a decisão de Vicky Coren
Na semana passada o mundo do poker foi apanhado de surpresa com a decisão da britânica Vicky Coren, de abandonar a Team PokerStars Pro. Saída explicada "por não querer promover jogos de casino". Muitos perguntaram pela opinião de Negreanu, e aqui está ela.
Vicky Coren é a única bicampeã do circuito European Poker Tour, e era Team Pro desde 2007, ainda assim não pensou duas vezes quando ficou a saber do lançamento de jogos de casino pela PokerStars.
Negreanu diz "respeitar e admirar" a posição de Vicky Coren que "merece todos os cumprimentos do mundo" por ter "estabelecido um limite que respeitou e fez o que achou ser o correcto".
Mas qual a opinião de Negreanu sobre o tema em questão?
O meu ponto de vista sobre o poker e o jogo
Quando comecei a minha carreira de jogador profissional de poker tive de colocar algumas perguntas a mim mesmo:
Sentir-me-ei bem ao fazer vida em algo que me leva a ficar com dinheiro de pessoas menos capazes?
Sentir-me-ei bem com o facto de que algumas dessas pessoas estão a tomar decisões muito más para as próprias e provavelmente para as suas famílias?
Sentir-me-ei bem ao tirar partido de pessoas que não sabem que as probabilidades estão contra elas?
Sentir-me-ei bem ao jogar poker num casino que oferece jogos, onde a casa tem uma vantagem grande o suficiente que assegura que a longo termo eles sejam os ganhadores?
Sentir-me-ei bem ao jantar, ou ver um espectáculo num casino onde alguns jogadores com problemas vão arruinar as suas vidas?Bom, o simples facto de que escolhi poker como profissão, e de o fazer há 20 anos já responde a tudo. Estou consciente dos perigos que existem para as pessoas quando se fala do jogo. Quer seja no poker onde os profissionais sacam dinheiro aos novatos, ou nos "jogos divertidos" dos casinos que são impossíveis de bater.
Pessoalmente sentir-me-ia um hipócrita se justificasse o ser aceitável ganhar dinheiro a jogadores com problemas de adição, mas não ser OK para o casino fazer o mesmo. Se é errado é errado, não interessa quem lucra. Por muito que queiramos separar o poker do mundo do jogo, o poker jogado a dinheiro é um jogo. Vão existir alguns ganhadores, e uma larga maioria de perdedores. A bolsa de valores e as apostas desportivas não são diferentes. Muitas pessoas tomam más decisões no mercado e aos domingos quando vão além do desejado ao apostarem nos jogos da NFL (futebol americano). O poker, a bolsa, e o desporto, são jogos possíveis de bater se trabalhares no duro. O verdadeiro trabalho duro que a maior parte não está disposta a fazer, mas que se convence estar a fazer. Quando perdes, podes culpar o azar. Podes deixar-te convencer por publicidade, marketing, ou vendo jovens profissionais a ganhar milhões online, que podias ser tu. Podias, mas provavelmente não vai acontecer. Podes acreditar que és um gurú do desporto e que podes escolher vencedores baseado simplesmente no teu instinto natural de avaliar equipas. Ou talvez penses que vais ser o próximo astro, que vai fazer milhões na bolsa.
Existem exemplos na sociedade de pessoas que aspiramos a ser, que bateram as odds e chegaram ao topo do poker, das apostas desportivas e da bolsa. Não conheço ilusões assim no mundo dos jogos de casino. A matemática é muito simples, quanto mais jogas mais perdes. Tu "podes" ganhar, e ocasionalmente vais ganhar, mas o jogo está montado de tal forma que assegura que a casa acaba sempre por ganhar. Nos jogos de casino não há ilusão ou esperança de que te tornes na próxima superestrela da roleta. Não é um jogo justo. Dito isto, um jogador recreativo que jogue $100 numa mesa de blackjack vai ganhar com mais frequência que se jogasse numa mesa de poker. O seu ROI vai ser melhor a jogar dados que numa mesa de poker repleta de tubarões. Vai perder de qualquer das formas, a única diferença é quem fica com o dinheiro. O casino, ou os tubarões de poker a tirar partido do jogador recreativo.
Pensei muito nisto e não consigo ver como podia pensar ser contra os casinos lucrarem de jogadores com odds desfavoráveis, mas ser a favor de enfrentar esses mesmos jogadores e ficar com o dinheiro para mim. Se realmente sentisse que o jogo está errado e ia contra os meus princípios, que deveria ser ilegal, levar-me-ia a deixar de entrar em casinos fosse porque motivo fosse. Nem para ver um espectáculo, jantar, e certamente nem para jogar poker. Isso é que me parece uma tomada de posição.
Sou abençoado por ter mais dinheiro que aquele que poderei gastar na minha vida. Não preciso de ganhar nem mais um cêntimo no resto da minha vida, e mesmo assim ficarei bem. Não tenho nenhuma obrigação para com o jogo nem necessito do salário. O dinheiro nunca foi o motivo principal para fazer coisas. Eu gosto de jogar poker, às vezes de apostar em desportos, de apostar no golfe, e de vez em quando de jogar dados e roleta apesar de saber que nesse campo não vou sair por cima. Gosto do facto de ter o direito a fazer isso na cidade em que vivo. Também gosto de jogar poker online, e adoraria ter a opção de fazer apostas desportivas online. Pessoalmente os jogos de casino online não me interessam, mas sou a favor da liberdade de escolha.
Respeito e admiro a atitude da Vicky Coren sobre os jogos de casino online. Creio que ela colocou uma série de perguntas a si mesma, e no final, estebeleceu um limite que não estava disposta a ultrapassar. Suponho que todos temos o nosso limite e que não vão ser todos iguais, e isso não é correcto nem errado. O que mais importa é que quando estabeleces um limite respeitas esse mesmo limite fazendo o que achas ser o correcto, e a Vicky merece todos os cumprimentos do mundo por o ter feito.
Tenho consciência que a minha escalada até onde estou agora, levou a que tivesse "pisado" algumas cabeças. Quando ganho, outros perdem. Não o esqueço. A pergunta em que me concentro agora, é como é que posso dar algo ao mundo e consigo inspirar pessoas a viver os seus sonhos? Não estou a falar do poker, estou a falar da vida. O poker foi o que eu escolhi para acumular a minha fortuna, mas isso não me exclui de ser um membro que contribui para a sociedade que ajuda a fazer a diferença pelas pessoas, e pelo mundo.
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