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Raúl Mestre diz que a culpa é dos cash games

De vez em quando aparecem opiniões que não se está à espera e que deixam a pensar. Raúl Mestre, criador e fundador da escola EducaPoker, primeiro campeão do mundo IFP  e 4º classificado do  EPT de Barcelona tem escrito sobre o futuro do poker online e desta vez o tema são os No Limit cash games. Esta modalidade deveria desaparecer? Para Raúl Mestre, a resposta é sim!

Fiquem com o texto completo:

"A estagnação do poker - raízes e soluções"

A situação actual da indústria do poker online

Dar uma vista de olhos à breve mas intensa história do poker online é contemplar uma trajectória de ascensão quase sem obstáculos, apesar de reveses como a UIGEA em 2006.

Apesar disto, os últimos três anos do sector não têm sido tão bons assim. O crescimento, na forma de jogadores activos estagnou, inclusivamente diminuiu. Os primeiros prejudicados foram as salas pequenas, pertencentes a outras redes, com um problema estrutural enorme devido aos inconvenientes derivados de terem que partilhar a liquidez.

Até a PokerStars, sala líder desde a UIGEA, começou a ressentir-se. O número de jogadores activos não aumenta, mesmo com investimentos espectaculares em amrketing. Nem sequer o encerramento da segunda maior empresa do sector, a Full Tilt Poker, fez aumentar substancialmente os seus números.

É claro que é fácil alegar problemas de saturação dos mercados. Quer dizer, se em todos os mercados a grande maioria dos jogadores já conhecem o produto, as campanhas acabam por trazer muito pouco para o crescimento, já que a quantidade de novos jogadores será limitada.

Esta é só uma das faces da moeda. É certo que em alguns mercados o produto é muito mais conhecido hoje do que há três anos atrás, sendo Espanha um dos melhores exemplos disto. Isto sugere que muitos dos jogadores que poderiam ser atraídos pelo poker online já o foram, já o experimentaram e não continuam a jogar hoje em dia.

Esta é uma reflexão importante. É lógico que quando o mercado está em expansão, o seu foco é a captação de clientes para que "comprem" o seu produto. Mas, já que a maior parte dos teus clientes conhecem o produto e , ainda assim, não lhes interessa, qual é o problema?

A origem do problema

A resposta é simples: o produto não satisfaz as expectativas dos clientes que atrai.

Ou dito de outra forma, da grande quantidade de pessoas que já experimentaram o poker online, uma percentagem enorme não ficou satisfeita com a experiência e decidiu não jogar mais.

Isto é um problema enorme e não importa quão boas sejam as campanhas publicitárias, a imagem da marca ou que seja líder de mercado. É importante conseguir que muitos dos clientes comprem o produto pela primeira vez, mas se não gostam é apenas uma questão de tempo até que deixam de o comprar.

A primeira coisa que deviam perguntar-se é: o que podem fazer as salas de poker online para que o seu produto agrade mais aos seus clientes? Aliás, até há uma pergunta antes: quem são realmente os clientes das salas de poker?

A primeira resposta óbvia é que os clientes da sala são os jogadores. Mas esta é apenas uma meia verdade. Os clientes de uma sala são aqueles que acham que o produto é a própria sala. Ou seja, na típica separação entre jogadores regulares e jogadores recreativos, os clientes da sala que vão decidir ficar ou sair de acordo com o produto são os jogadores recreativos.

Isto porque uma sala procura fundamentalmente ter jogadores recreativos. Os regulares jogam para obter benefícios económicos, ou pelo menos, será esse um dos principais motivos.

Isto não significa que seja algo negativo ter e cuidar dos jogadores regulares. A questão é que cuidar destes jogadores significa preocupar-se e cuidar ao máximo dos jogadores recreativos. As salas deveriam aplicar todas as decisões que beneficiem o jogador regular e seja indiferente para o jogador ocasional. Por outro lado, nunca se deveria beneficiar o jogador regular sobre o jogador ocasional. Entre outros motivos, porque a médio prazo, a sala sairá prejudicada.

Um exemplo poderia ser ter opções de software destinadas a jogadores regulares. Isto nunca seria um motivo para um jogador ocasional se sentir aborrecido ou frustrado, e consequentemente deixar o jogo, e seria uma grande vantagem para um jogador habitual.

Uma sala que se concentre nos jogadores ocasionais acabará por ter jogadores regulares que querem jogar contra eles. Se a situação foi inversa, a sala acabará por desaparecer.

Voltando ao ponto central da questão. Uma imensa quantidade de jogadores ocasionais experimentaram o poker online e não continuaram a jogar. Porquê?

A resposta é fácil: porque não se divertiram.

Porque é que os jogadores ocasionais não se divertem a jogar poker?

Novamente, a resposta é fácil: porque o ócio obtido na experiência foi insuficiente. Ou seja, o poker é muito caro para o que pbtêm em troca.

O problema é que a maioria destes jogadores perdem o seu dinheiro muito mais rapidamente do que pensaram ser possível. É muito fácil culpar os jogadores regulares, já que a ideia geral é que os regulares arruinam os recreativos por serem jogadores muito mais experientes.

Desta premissa podem-se extrapolar duas conclusões, e ambas erradas: ou bem que aceitamos os jogadores regukares como um custo e encaramos a situação actual, ou bem que decidimos que são um problema e esforçamo-nos por elimina-los. (salas como a Bodog seguem esta linha).

Mas o problema não é que os jogadores regulares façam com que os jogadores ocasionais percam o seu dinheiro muito mais rapidamente. O problema é o No Limit Cash.

Em NL Cash as oscilações de dinheiro são muito maiores do que o que se percebe comparando com o valor das blinds. Por exemplo, é habitual que um jogador ocasional deposite 20 euros e se sente numa mesa de NL20, com blinds 0.10/0.20$. Afinal, parece que tem muito dinheiro para jogar estas blinds.

Se sentássemos 10 jogadores ocasionais numa mesa de NL Cash, a maioria perderia o seu dinheiro tão rapidamente como se se tívesse sentado numa mesa de regulares. Aliás, perderiam até mais rapidamente já que estariam a enfrentar outros ocasionais e seria muito mais fácil perder toda a stack em apenas uma mão.

O problema não é a diferença a nível de jogo entre uns e outros jogadores mas sim a percepção de dinheiro perante a realidade.

Uma solução proposta consiste em obrigar estes jogadores ocasionais a depoistar muito mais dinehiro para se sentar nas mesas mesas, de forma a que não poddam perder o seu dinheiro todo tão depressa e se vejam obrigados a jogar limites mais baixos.

Mas esta solução não serve porque não seria divertido apostar tão pouco em relação ao que se investiu em ócio. Jogar numa mesa de um cêntimo e dois cêntimos quando se depoistou 20€ é muito pouco intuitivo, apesar de ser uma quantidade muito pequena para as oscilações normais que podem acontecer numa sessão de NL.

A realidade que não se quer aceitar é que o problema intrínseco é o No Limit Cash, tal como o conhecemos. Este não é um produto que um j
ogador ocasional precise para disfrutar da sua experiência com o jogo e portanto deveria estar fora do alcance de novos jogadores.

O Zoom é uma alternativa?

Sugeriu-se o Zoom como uma possível solução para o problema do jogador ocasional poder divertir-se com a sua experiência com o poker. Um dos principais argumentos usados é que com a quantidade mãos jogadas, os jogadores podem ser mais conservadores e esperar boas mãos.

Por azar, isto não é correcto. O problema com é No Limit  Hold'em Cash não é a habilidade dos  jogadores, mas sim a variância do jogo. Apesar de ser normal um jogador recreativo depositar 50€ e sentar-se numa mesa de 05/1€, nada o protegerá de ter uma elevada percentagem de probabilidade de perder todo o seu depósito em questão de minutos, mesmo que esteja a jogar contra rivais piores que ele.

O Zoom Poker até aumenta esse custo porque faz com que se jogue muito mais mãos por hora e apesar do dinheiro de um jogador recreacional poder extender-se por mais mãos, durará com certeza menos tempo. E, no final, tudo se resumirá ao resulatdo da equação custo/tempo de ócio. O Zoom Poker, em si, não ajuda a tornar o NL Cash viável. O que o Zoom traz é a solução a outros problemas da indústria, particularmente o da selecção de mesas e as listas de espera.

A selecção de mesas é um problema da indústria na actualidade. Muitos jogadores regulares não trazem liquidez ao sistema porque só jogam em mesas em que haja um jogador ocasional o que faz com que a quantidade de rake que geram em comparação ao dinheiro que ganham seja baixíssima. Com o Zoom Poker este problema deixa de existir, já que se joga contra todos os "níveis" ao mesmo tempo.

Em qualquer dos casos, a realidade é que nenhum formato de NL Cash tem o potencial de satisfazer as necessidades dos clientes que, recordemos, são os jogadores ocasionais.

Qual é a solução?

A melhor solução para que o poker online continue a crescer são os torneios.

À primeira vista, isto pode soar muito drástico. Os cash games são a modalidade principal há anos e uma das que mais dinheiro tem dado. Poder-se-ia pensar até que o poker online desapareceria sem o cash. Pelo menos, esta deve ser a preocupação dos responsáveis de muitas salas.

Mas a regulamentação do mercado italiano, onde os cash games não estavam permitidos, foi um magnífico teste. E o que aconteceu foi que o poker cresceu durante esse tempo e de uma forma muito mais sustentada.

Com a abertura dos cash games em Itália, uma vez passado o crescimento inicial, a indústria voltou a enfrentar o mesmo problema: taxas de abandono muito altas. E, com o tempo, o custo de manter uma modalidade que não satisfaz as necessidades  do cliente tornar-se-à maior.

Claro que os MTTs tradicionais têm os seus problemas. São uma modalidade quase perfeita em termos de gestão de banca intuitiva ( o jogador ocasional sabe exactamente quanto arrisca ao inscrever-se num torneio) e os objectivos são claros. O objectivo de um torneio é, em primeiro lugar, fazer ITM, depois chegar à mesa final e, por fim, ganhar.

Isto quer dizer que o um jogador ocasional que joga torneios pode sentir-se satisfeito com os seus resultados mesmo perdendo dinheiro, porque eventualemnte conseguirá cumprir os objsctivos. Isto é algo que os cash games nunca poderão proporcionar já que o único objcetivo possível num cash game é ganhar dinheiro.

Ora bem, o problema dos MTTs é a duração. Nem todos podem sentar-se sabendo que terão que estar disponíveis nas próximas 4, 6 ou 12 horas. Aliás, algo tão longo chega a ser esgotante e aborrecido. Além disso, a acção pode ser demasiado lenta.

Parece óbvio que a solução a este problema seria usando o Zoom Poker. Torneios com boa estrutura, com uma duração inferior e com acção rápida durante os primeiros níveis e as etapas médias. É certo que nas últimas duas mesas não seria muito útil, mas a emoção de estar a jogar a fase final de um torneio compensa sobremaneira.

Portanto, os Sit and Go também são úteis. Não são tão emocionantes como um MTT, mas têm a vantagem do tempo.

Outra melhoria necessária é que a duração média do SNG ou do torneio deveria ser uma das principais informações dadas antes do registo. Para o jogador regular esta informação é inútil (porque já a sabe) mas para o jogador ocasional é fundamental e é algo que passa ao lado.

Isto significa que os cash games deveriam desaparecer completamente? A resposta é um rotundo SIM. Se se desejasse manter algo parecido com um cash game, o ideal seria deixar mesas onde os jogadores pudessem entrar com os seus pontos VIP.

A vantagem de fazer algo assim é que o jogador ocasional não se pode sentar nestas mesas sem que tenha experimentado outras modalidades primeiro e nunca poderia perder a sua banca, apenas pontos VIP. Ou seja, até pode perder bonús ou prendas que poderia ter conseguido com esses pontos mas nunca perderia o valor do seu depósito ou o que tivesse ganho num torneio.

Algo deste estilo não traria garnde coisa, mas dava resposta aos jogadores que querem cash games sem ter um custo para os jogadores ocasionais.

Há mais coisas que se possam fazer?

Claro que há muito mais coisas que se podem fazer. Qualquer medida que traga mais diversão e interesse ao um jogador ocasional será bem-vinda. Neste sentido, as salas podem colaborar de diversas formas. Entre outras, modificar os seus sistemas VIP para recompensar os jogadores perdedores, potenciar os afiliados que ajudem a converter o poker num hobby e dando serviços relacionados com o poker e que não impliquem jogar.

Em relação ao sistema VIP, é claro que premiar os jogadores que jogam muito é valioso mas este não deveria ser o único parâmetro. Um jogador perdedor é um bem muito importante para a sala e para os jogadores regulares e deveria ser bem cuidado em todos os aspectos, incluindo o sistema VIP .

Afinal, a quantidade de opções é enorme, mas é importante manter o foco: fazer com que o jogador ocasional de divirta com o seu hobby.

Em que situação ficariam os jogadores regulares?

Apesar de há já algum tempo que a indústria tem vindo a assumir que os jogadores regulares são maus para o sistema, isto não é certo. A ideia é que para que a indústria do poker online continue a crescer é necessário que se concentre nos jogadores ocasionais de forma a que se possa manter e manter os jogadores regulares.

Com alterações como as sugeridas, muitos jogadores teriam que mudar os seus hábitos de jogo, modalidades e até a abordagem ao jogo. As alterações provocam sempre medo e haveria muitas críticas, numa primeira fase. Mas, a médio prazo, haveria um retorno com mais jogadores ocasionais e isto seria muito mais rentável para os jogadores regulares do que a direcção que estamos a seguir agora.

Os jogadores regulares serão sempre parte de um jogo como o poker e o que as salas devem fazer é aproveita-los, sempre que possível, como ferramentas de marketing, sem perder nunca o foco no seu objectivo que deve ser atrair jogadores ocasionais. Que por sua vez atraem os regulares."